Por: Sylvia de Castro
Colaboração: Amaro Leandro
Agora que a reabertura vai acontecendo, pouco a pouco, e a vida vai querendo voltar ao normal, fica no ar a pergunta: como será o amanhã? Durante esse isolamento inesperado e assustador, o que mudou na vida das pessoas, que vitórias conseguiram, que hábitos mudaram, o que aprenderam? O que ganhou importância, o que perdeu significado? Que imagem causou nelas mais impacto? Como elas querem viver daqui pra frente? Responda quem puder…
Manoela Ferrari, jornalista e escritora – “Sempre gostei de ter uma rotina. A sensação de vida agendada me trazia segurança. Eu diria que aprendi algo durante esta quarentena, não exatamente ‘novo’, porém mais imediato: não temos o controle de nada nessa vida. Aprendi a reorganizar o meu horário sem um planejamento a longo prazo, com a projeção de um dia de cada vez. Resgatei o endereço de um lugar ‘novo’ do qual, há muito, havia me afastado: a cozinha da minha casa. Entre panelas, forno e fogão, tenho agradado com novas receitas que sigo pela internet. Aprendi que também sei cozinhar direitinho. Sempre gostei de ouvir palestras pelo Youtube. Com a pandemia, veio a febre das lives pelo Instagram e já fiquei até sem tempo para ouvir tudo o que eu gostaria! Consegui reunir, diariamente, a família toda em torno da mesa, no mesmo horário, para as três refeições: café da manhã, almoço e jantar juntos! Momentos muito gostosos que, com os filhos adultos e trabalhando, eram cada vez mais difíceis de viabilizar durante a semana. A imagem que mais me marcou neste período não tem relação exatamente com a pandemia, mas aconteceu durante a quarentena, que foi a do assombroso assassinato do negro George Floyd na cidade de Minneapolis, por um policial americano branco, ajoelhado no pescoço dele, sufocando-o à morte. Fiquei deprimida, vendo a que ponto chegou a (des)humanidade. Não é só o coronavírus que nos tira o ar. Racismo, preconceito e maldade matam. E não existe vacina pra isso. Mas o fato marcante, sobre algo bom, foi a imagem do Dr. Romeo Trussardi chegando em casa, saindo do hospital, depois de 85 dias internado. Rezamos todos os dias por ele. Fiquei muito emocionada com a família toda reunida, recebendo essa bênção. Foi um milagre! A primeira coisa que pretendo fazer, quando puder, é ir a Vitória, ver meu pai. Pretendo continuar tomando precaução em relação aos hábitos de higiene e afastamento de locais aglomerados. Já criamos o hábito de entrar sem os sapatos em casa. Pretendo continuar fazendo isso. A pandemia acelerou mudanças que já vinham acontecendo. Sou mais assertiva na hora de comprar, privilegiando produtos e serviços que conjuguem preço, eficiência e responsabilidade social, por exemplo.”
Manoela Ferrari, a foto positiva marcante e a foto negativa marcante (Crédito: Divulgação e Reprodução)
Glorinha Távora, que mora na Califórnia, passou uma quarentena inesperada e inusitada, dentro de um spa, em Itaipava – “Vim para o Brasil em março para ficar um mês, para passear, visitar amigos e familiares, mas a pandemia intensificou a quarentena, o que me impediu de retornar no prazo antes imaginado. Estou desde então aqui no Brasil e aprendendo durante este período de isolamento. Decidi permanecer no Spa Itaipava, pois fui recebida e acolhida com todo carinho e cuidados necessários estabelecidos pela OMS. Neste maravilhoso Spa, estou me reinventando nesta pandemia, aprendendo mais sobre alimentação, nutrição, atividades físicas, cujas práticas ficarão para toda minha vida, pois consegui reduzir peso e medidas, o que eu tentava há muito tempo e não conseguia. Quando voltar para casa, no início de julho, permanecerei com minha nova rotina aprendida e pretendo continuar viajando, mas dessa vez com meu marido (já fiquei muito tempo longe do my love!). Sentirei saudades de todos e das terapias corporais e faciais, do turbilhão de água gelada, da cabeleireira e da manicure”.


Lucia Lima, joalheira – “Eu aprendi a administrar meu tempo durante a pandemia. A diminuição da correria do dia a dia me permitiu priorizar as atividades e minha dedicação a elas. É algo que eu quero levar pra vida quando tudo isso passar. Eu recebia minhas clientes com hora marcada no meu ateliê e, por isso, sempre fazia bolos para recebê-las. Nas últimas semanas, eu revisitei as receitas de bolo que minha mãe fazia. São em sua maioria bolos com ingredientes nordestinos, como mandioca, macaxeira e milho, por exemplo. Com a dedicação em fazer bolos, eu comecei algo que já gostaria de fazer: a ajuda ao próximo. Agora, constantemente busco doar esse e outros alimentos às pessoas mais necessitadas. Uma imagem marcante durante essa pandemia foi a saída dos hospitais dos pacientes recuperados. A gratidão pela vida, a fé restabelecida naquelas histórias. E, claro, a luta constante de médicos e enfermeiros para curar as pessoas nessa pandemia. Eu continuo criando e desenhando minhas peças, mesmo que a produção em si esteja paralisada por enquanto. Vou continuar a trabalhar quando a vida se normalizar. Contudo, mudou de forma definitiva a maneira como eu vejo o tempo. Eu quero equilibrar melhor minhas tarefas obrigatórias com momentos de lazer, aprendizado e solidariedade.”
Lucia Lima e seus bolos (Crédito: Divulgação)
Moacyr Arcoverde, advogado paraibano – ” Esse enclausuramento, que nos foi imposto por necessidade de sobrevivência, me ensinou muita coisa. Sempre fui uma pessoa agitada, que ama a rua e o mundo e, de uma hora pra outra, deparei-me com uma prisão domiciliar. Tive que me adaptar. Como gosto de cozinhar, meu passatempo era o fogão, inovando e buscando inventar algo diferente, sobretudo na chamada ‘memória afetiva’, com os cadernos de receita de minha mãe, Pawlova. Passeando pelos apontamentos da culinária de mamãe, fiquei impressionado como ela era atualizada em termos de arte culinária, mesmo com as limitações do comércio de então da nossa cidade, João Pessoa. Lá, me deparei com anotações e detalhes que fazem toda diferença na receita, porque a pessoa vai adaptando ao seu paladar e gosto. Vi algumas da saudosa Maria Thereza Weiss que marcou época no Rio, e de quem mamãe ficou amiga quando fizeram curso de decoração juntas, nos idos de 1976. Uma sexta-feira, eu estava meio triste por tudo isso que a humanidade está passando. Ficamos, eu e Patrícia, bebericando sem nos dar conta do tempo e, de repente, já estava clareando. O sol desvirginando a madrugada como poetisa Betânia. Aquela imagem me mostrou que, apesar dos pesares, estávamos todos nós vivos e com saúde. Minha mãe acordando para tomar seu banho de sol. Uma bênção divina. Brindei e agradeci a Deus! Depois que tudo isso passar, nada melhor do que sairmos perambulando por aí, como Roberto Carlos profetizou em sua canção Eu quero apenas, em que diz: ‘eu quero crer na paz do futuro e quero ter um quintal sem muro’.”
Moacyr Arcoverde, seus quitutes e sua imagem marcante (Crédito: Divulgação)
Renata Fraga – “Aprendi como fazer do limão uma limonada, usando o que de mais precioso ganhamos na pandemia: tempo para curtir a família, a casa… Agora que não vamos para a rua, ganhei tempo para voltar a brincar na cozinha. Meus filhos me chamam de chef Renata. Estou me surpreendendo e me superando! Por não estar frequentando eventos, consegui fazer uma dieta há muito planejada e já eliminei 12 kg. As imagens que mais me impressionaram neste período foram das ruas e praias vazias. Me deram uma sensação de que estamos dentro de um filme de ficção, no apocalipse… Muito estranho. Quando isso tudo passar, sabe-se lá quando, vou dar uma desacelerada, pelo menos vou tentar. Eu adoro estar com as amigas, tomar uns drinks e dar boas risadas! Mas vou lembrar com muito carinho os momentos curtidos com Paulinho e meus filhos, que foram uns companheirões.”
Renata Fraga, as delícias que preparou para o dia dos Namorados, e o pior trabalho da quarentena (Crédito: Divulgação)
Yvonne Bezerra de Mello, filóloga e doutora em Políticas Públicas e Direitos Humanos, artista plástica e escritora, fundadora do Projeto Uerê – “Três meses de quarentena, sendo um doente com Covid, me ensinaram a gostar da minha nova rotina. Eu, que saía de casa às 8 da manhã e voltava às 7 da noite, reaprendi a amar estar em casa. Reativei dentro de mim a serenidade, retomei hábitos esquecidos, mudei a maneira de me comunicar e aprender a aprender. Regressei à razão pura na verdade do que sou. Não tive nenhum momento de depressão nem de negativismo. O amor dentro de mim se purificou. O raciocínio ficou mais apurado, me desligando das coisas materiais e me concentrando no intelecto. Nunca me senti só. Nunca ajudei tantas pessoas, nunca fiz tantas pessoas felizes com minhas ações e nunca tantas pessoas me fizeram feliz. Nunca tive tantos amigos sinceros. Nunca tive tanto desapego. Nesses três meses, foram mil cestas básicas para as famílias do Uerê; duas capacitações de professores sobre problemas cognitivos na volta às aulas; todos os dias dou curso de Filosofia para um grupo; comecei novo livro sobre relações durante a pandemia e dou aula online duas vezes por semana para meus alunos. Também faço ioga e ginástica, estudo e pesquiso duas horas por dia como rotina, e participo de lives aqui e no exterior. Em nenhum momento, tive saudade da vida louca que levava. O que vai mudar depois da pandemia na minha vida? Simplesmente eu e a simplicidade na vida que me mostrou o caminho…”
Yvonne Bezerra de Mello na primeira vez que conseguiu chegar na janela, depois de 20 dias da Covid, isolada, sozinha em casa, para dar um alô ao marido Fernando, que estava na calçada. E em uma das lives (Crédito: Divulgação)
Bayard Boiteux, professor e vice-presidente da Associação dos Embaixadores do Rio – “A pandemia tem sido importante para conhecer as pessoas. Tenho reencontrado muitos amigos e voltado a conversar com várias pessoas com quem havia tido algum desentendimento. Foi muito bom pois o perdão, sobretudo para quem perdoa, faz muito bem. Aprendi ainda mais a importância da solidariedade e da ajuda ao próximo. Luto à minha maneira para reduzir as desigualdades e preservar a democracia. Escrevo artigos e já publiquei dois livros na pandemia pela CRV, editora do Paraná, opiniões e pensamentos de um sonhador e viagens inusitadas que será lançado na próxima semana para comercialização. Todos os direitos autorais dos meus livros têm sido utilizados para ajudar projetos sociais. Estou escrevendo um novo livro de memórias dos filhos dos exilados, como eu. E estamos agora coordenando o livro dicas do Rio em que os embaixadores fazem relatos de experiências que tiveram. Ficar trancado em casa é bem difícil para mim, que gosto de viajar e fotografar, mas aos poucos estou me habituando e criando uma rotina. Uma psicóloga também tem me ajudado com sessões online. A programação da Associação dos Embaixadores não parou, foi transformada em online. Algo que me aconteceu também foi a minha maior espiritualização, que tem contribuído para o meu entendimento ainda maior da diversidade. Quando isso tudo acabar, quero abraçar minha filha, meu genro pastor, meus irmãos e meus amigos. Muitos se preocuparam verdadeiramente comigo, o que nunca vou esquecer.”
Bayard Boiteux e a orquídea que marcou seu isolamento porque está em casa, com ele, desde o início da pandemia (Crédito: Divulgação)
Lu Batista – “A pandemia trouxe muitas coisas boas, uma delas foi a intensa convivência com a família que o dia a dia agitado não permitia. Meu pai tem 89 anos e nós o trouxemos para ficar conosco, pois onde ele mora estava com bastante foco de contaminação da Covid. O tempo foi preenchido com jogos, filmes, séries, orações e caminhada com a família, estudos religiosos, gravando vídeos com o meu filho, organização da casa e implementando o sistema da minha loja. Conseguimos ampliar o projeto Macarrão com Salsicha, criado pela Paróquia Santo Agostinho há mais de 6 anos, para levar alimento aos moradores em situação de rua e comunidades carentes. Recebemos as doações – macarrão com salsicha, água, frutas, achocolatados, ovos cozidos com casca, biscoitos, material de higiene pessoal e alimento não perecível – todas as segundas, das 17h às 19h30, na Paróquia Santo Agostinho do Novo Leblon, e depois deste horário os voluntários saem para distribuição. Nós distribuíamos anteriormente, em média, 300 a 400 quentinhas por segunda-feira. Hoje, com a pandemia, aumentamos para 3.400. Ajudamos 14 comunidades carentes, fora os moradores de rua do Centro da Cidade e Zona Sul. Passando tudo isso, quero continuar mantendo a convivência familiar; ampliar o projeto Macarrão com Salsicha, focar mais na minha loja Magnificat nas redes sociais e em muitos outros sonhos que a quarentena me fez pensar.”
