Por Bruna Faro
O filme Pantera Negra estreou no ano passado e foi um sucesso inegável. A representatividade refletida no elenco, figurino e cenografia, inspirou crianças de todas as raças a saírem nas ruas berrando “wakanda forever”. Quando foi a última vez que você viu um personagem negro ser tão idolatrado?
O filme trouxe ao público a diversidade que precisava ser mostrada há muito tempo e por mais que seja uma exceção, essa ideia de revolução vem crescendo no cinema.
Para se ter ideia de como o longa movimentou as massas, sua bilheteria é a maior da história, entre os filmes solos de super-heróis. A produção conseguiu arrecadar mais de 1 bilhão de dólares, se encaixando em nono lugar na lista de filmes que mais fizeram dinheiro nos cinemas.
Inesperadamente, recebeu diversas indicações e ganhou várias. Levou para casa o SAG Awards de Melhor Elenco, BAFTA de Melhores Efeitos Visuais e o de Estrela Revelação para a atriz Letitia Wright que interpreta Shuri no longa. Também levaram três Critics’ Choice Award, quatro MTV Awards e cinco Saturn Awards.
Fora isso, a produção de Ryan Coogler recebeu 7 indicações ao Oscar, sendo o primeiro filme de super-herói a ser indicado a Melhor Filme. A equipe saiu do evento com mais três estatuetas nas mãos. Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção! E continuaram revolucionando, na categoria de Melhor Design de Produção, para Hannah Beachler, ela foi a primeira mulher afro americana a ser indicada e ganhar tal prêmio.
Pensando em todo esse “boom” de Wakanda, entrevistamos três especialistas para nos contar um pouco sobre a importância de Pantera Negra. Roberta Estrela, Claudio Basilio e André Azenha soltaram as vozes e expressaram suas opiniões sobre o filme que marcou história.
Confira a primeira parte da entrevista (leia a segunda parte da entrevista aqui):
O que achou da indicação ao Oscar do filme Pantera Negra?
Roberta: Eu acho que indicações como essa, tanto Pantera Negra como Infiltrados no Klan do Spike Lee, são muito bem-vindas nesse momento em que as discussões raciais estão fervendo. Muito embora eu ache que o Oscar é uma coisa da indústria, do mainstream e não devemos nos pautar só por isso, eu acho que no fim é importante. Enquanto a gente vê esse sistema, do capital, do poder, esses prêmios vão valer e se eles valem, que a negritude esteja ocupando esse lugar também.
André: Vejo com bons olhos, afinal a Academia enfim se rende a um filme de super-herói na principal categoria. Os filmes de super-heróis hoje praticamente sustentam a indústria. Há muitos longas desse tipo irregulares, ruins, mas produções como Pantera Negra estão acima da média, possuem conteúdo, são excelentes tecnicamente e merecem destaque. Além da questão de representatividade, do protagonismo negro em um blockbuster, algo que, para um filme desse tamanho, não existia até então.
A partir dessa indicação você acha que vão ter mudanças na indústria do cinema?
André: Tivemos dois anos de Oscar So White, sem indicações de atores e atrizes negros. Depois a Academia convidou profissionais de outros país e diferentes etnias para tornarem-se associados visando a maior diversidade nas indicações. O resultado tem sido percebido, mas está muito longe do equilíbrio, da representatividade de todas as etnias. Nas séries televisivas e de streaming vemos uma maior diversidade neste sentido. Mas foi apontado um caminho. O importante é não deixar de refletir o assunto, para que os avanços não caiam no esquecimento.
■ Qual a importância desse filme para você?
Claudio: Eu creio que este filme tocou de forma inteligente e única em temas muito caros para aqueles que possuem ascendência africana, o que é o meu caso! Para deixar mais claro o meu ponto de vista cito Christopher Priest, roteirista que mais escreveu histórias para o Pantera Negra: “Eu desafio qualquer negro a passar o primeiro ato do filme sem se emocionar ao ver Wakanda. Quando vemos a visão de Ryan Coogler [diretor] para Wakanda por extensão também vemos a visão dele para o que as pessoas podem alcançar se trabalharem juntas e saírem do Facebook. Não apenas negros, mas todos”.
André: Representa muito para quem possui o mínimo de empatia e entende a importância da diversidade, de vermos retratados no entretenimento e na arte pessoas de todas as classes, origens, etnias. É o que Mulher-Maravilha, de Patty Jenkins, significou para mulheres ao redor do mundo em 2017. Pantera Negra apresenta um elenco majoritariamente formado por atrizes e atores de descendência africana. Primeira vez que isso acontece num filme com tamanho orçamento, tamanha repercussão, tal envergadura.
■ Você acha que a criança negra de hoje tem mais representatividade na mídia?
Claudio: Eu acho que a Indústria Cultural aos poucos está esboçando movimentos neste sentido, mas ainda falta muita coisa para que de fato as crianças negras tenham uma quantidade maior de modelos positivos na mídia. De um jeito ou de outro um personagem que eu considero um ótimo modelo para as crianças negras é Miles Morales, um adolescente de ascendência negra e latina que protagoniza a excelente animação cinematográfica “Homem-Aranha no Aranhaverso” (que levou o Oscar desse ano de Melhor Animação).
■ Na sua época existia algum personagem que você se identificava? Qual e por quê?
Roberta: Na minha época não era assim. Não tinha isso, nada do que tem hoje, de gente na música, no cinema, nenhum negro que você pudesse se espelhar. Cresci nos anos 80 e o que tinha era Xuxa que dominava e as paquitas. Obviamente, como todas as meninas eu queria ser uma paquita, coisa que eu nunca ia ser porque elas eram todas brancas, loiras de cabelo liso.
Claudio: Eu coleciono histórias em quadrinhos há mais de trinta e cinco anos, e apesar de haver poucos personagens negros nos desenhos animados e gibis que consumia, eu tinha um carinho pela Tempestade (integrante dos X-Men) e pelo Cyborg, membro dos Jovens Titãs. No caso específico do Cyborg era fácil para mim se vincular emocionalmente com o personagem, que tinha problemas de relacionamento com o pai e precisava lidar com a sua condição de “aberração” por causa da sua aparência. Esta identificação é tão verdadeira que costumo brincar com meus amigos que eu e o Cyborg fomos separados na maternidade!
■ Que tipo de ação você acha que poderia ajudar na conscientização das pessoas?
Roberta: A arte é um bom lugar. Ter mais autores, não só atrizes e atores. Você tem personagens negros nas novelas, mas quem está escrevendo? Quem está dirigindo? Quem está na trilha sonora, maquiando ou escolhendo as roupas? Isso define muita coisa. É uma entrada maior nos meios de comunicação, no cinema. Mais roteiristas, produtores e diretores negros, mais grana no bolso das pessoas negras para poderem fazer essas produções, já que é o necessário para fazer arte e se tornar mainstream no mundo em que vivemos hoje.