Nesta quinta-feira, 4 de setembro, entra em cartaz exposição que conecta questões locais e globais por meio de diálogos entre artistas brasileiros e internacionais
Aycoobo Wilson Rodríguez, Calendário, 2024. Acervo MASP
Foto: Eduardo Ortega
O MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand apresenta Histórias da ecologia, de 4 de setembro a 1 de fevereiro de 2026. A coletiva internacional ocupa todos os espaços expositivos do Edifício Pietro Maria Bardi e reúne mais de 200 obras de artistas, ativistas e movimentos sociais de 22 países, como Colômbia, Islândia, Japão, Nova Zelândia, Peru e Turquia. A exposição investiga a ecologia como uma rede de relações entre seres vivos e o mundo que habitam, colocando em diálogo trabalhos de comunidades, territórios e ecossistemas de diferentes locais ou períodos.
A escolha curatorial se afasta da concepção de uma natureza apartada da sociedade ou que compreende o ser humano como hierarquicamente superior. “É comum que meio ambiente e ecologia sejam tratados como sinônimos. No entanto, escolhemos ecologia para abranger um sistema de relações entre humanos e mais que humanos — animais, plantas, rios, florestas, montanhas e fungos. Não conseguimos pensar a natureza separada do humano”, diz André Mesquita, curador, MASP.
A curadoria de André Mesquita e Isabella Rjeille, curadores, MASP, revela perspectivas artísticas em comum a respeito da ecologia ou de enfrentamentos aos efeitos da crise climática global, propondo uma reflexão política sobre o tema ao evidenciar o fator humano e as implicações de marcadores sociais da diferença, como gênero, raça e classe. A exposição é dividida em cinco núcleos temáticos que seguem uma ordem linear: Teia da vida; Geografias do tempo; Vir-a-ser; Territórios, migrações e fronteiras; e Habitar o clima.
Teia da vida aborda diferentes percepções dessa rede de inter-relações — das cosmovisões indígenas às disputas por poder, influência e território. A obra The Political Life of Plants (2021) retrata complexos entrecruzamentos entre as plantas e outros seres. O vídeo acompanha o artista Zheng Bo (China, 1974) em uma caminhada por uma floresta de faias em Bradenburgo, na Alemanha. Durante o percurso, Bo conversa com os cientistas Matthias Rillig, especialista em biodiversidade e ecologia do solo, e Roosa Laitinen, que investiga a plasticidade genética das plantas. Os temas de suas pesquisas se entrelaçam às reflexões do artista e aos sons e imagens da floresta.
Geografias do tempo reúne olhares indígenas, afrodiaspóricos, rurais e urbanos sobre a terra e o cosmos, a vida e a morte, a regeneração e o cuidado. A obra Calendário (2024), de Aycoobo (Wilson Rodríguez) (La Chorrera, Colômbia, 1967), artista nonuya-muinane, traz uma perspectiva indígena amazônica sobre a temporalidade cíclica da natureza. O desenho revela um sistema de marcação temporal que transcende a lógica linear ocidental, associando a passagem do tempo às transformações vividas pelas árvores, plantas, animais e rios da floresta amazônica. Já Ana Amorim (São Paulo, 1956) tem uma abordagem íntima e processual da temporalidade urbana. Em Passage of Time Study (2018), durante todas as noites, por um período de um mês, a artista brasileira registra o mapa do seu dia e um número localizador. O resultado é um conjunto de 31 desenhos feitos com caneta esferográfica sobre papel.
Vir-a-ser investiga as relações entre seres humanos e mais-que-humanos, além de modos simbólicos, espirituais e materiais que estruturam esses vínculos. A série de desenhos Tentativas de criar asas (década de 2000), de Rosana Paulino (São Paulo, 1967), evoca seres híbridos em constante transformação – trata-se de figuras femininas que tecem teias, rompem casulos ou ganham asas, libertando-se de estruturas que já não lhes servem mais, à semelhança de alguns insetos. A série fotográfica Corpoflor (2016-presente) propõe um hibridismo radical entre o corpo humano e o de outros seres da natureza. Em retratos e autorretratos, Castiel Vitorino Brasileiro (Vitória, ES, 1996) revela corporalidades imprevistas que transcendem as normas de gênero e sexualidade, criando formas de existir que resistem às categorizações binárias impostas pela sociedade.
Territórios, migrações e fronteiras se debruça sobre os deslocamentos forçados, fluxos migratórios e fronteiras físicas e sociais. A escultura Refugee Astronaut XI (2024), de Yinka Shonibare (Londres, 1962), representa migrantes, estrangeiros e refugiados contemporâneos. Desde 2015, o artista produz figuras em tamanho real de astronautas nômades, equipados com capacetes e vestidos com uma roupa espacial cujos tecidos se inspiram nos padrões africanos. Esses personagens parecem vagar sem rumo, à deriva, entre mundos devastados. Os astronautas de Shonibare carregam os traumas da crise climática e dos ecocídios que expulsam milhões de seus territórios de origem.
Habitar o clima sintetiza e, ao mesmo tempo, amplia questões centrais presentes nos demais núcleos de Histórias da ecologia. Nele estão reunidos trabalhos de artistas, coletivos e movimentos que investigam táticas de ocupar, experienciar e imaginar radicalmente a cidade e o campo. A instalação inédita Descida da terra/trabalho das águas (2025), de Cristina T. Ribas (São Borja, RS, 1980), reflete sobre os efeitos das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024. O trabalho comissionado pelo MASP consiste em um tecido translúcido suspenso diagonalmente no espaço expositivo, impresso com imagens que revelam como as águas redesenharam a geografia de rios, lagos e bacias hidrográficas, impactando mais de 650 mil pessoas.
“Histórias da ecologia transita entre diferentes saberes: o geológico, o biográfico, o ancestral, o espiritual, o comunitário, o local, o planetário. Essas intersecções ampliam a visão sobre o que está em jogo na atual crise climática — não como um evento isolado, mas enraizado em estruturas coloniais e patriarcais que condicionam os modos de habitar o planeta”, afirma Isabella Rjeille.
Histórias da ecologia é o tema do ciclo curatorial de 2025. A programação do ano também inclui as mostras de Claude Monet, Frans Krajcberg, Abel Rodríguez, Clarissa Tossin, Hulda Guzmán, Minerva Cuevas e Mulheres Atingidas por Barragens.
A mostra faz parte de uma série de projetos em torno da noção plural de “Histórias”, palavra que engloba ficção e não ficção, relatos pessoais e políticos, narrativas privadas e públicas, possuindo um caráter especulativo, plural e polifônico. Essas histórias têm uma qualidade processual aberta, em oposição ao caráter mais monolítico e definitivo das narrativas históricas tradicionais. Nesse sentido, entre os programas anuais e as exposições anteriores, o MASP organizou Histórias da Sexualidade (2017), Histórias Afro-Atlânticas (2018), Histórias das Mulheres, Histórias Feministas (2019), Histórias da Dança (2020), Histórias Brasileiras (2021-22), Histórias Indígenas (2023) e Histórias LGBTQIA+ (2024).