O roteirista Alexandre Machado deu sua primeira entrevista desde a morte da mulher, Fernanda Young, em agosto de 2019. Em mais de duas horas de uma conversa bem conduzida pelo também roteirista Gustavo Gontijo, no canal Gabinete Digital de Leitura do YouTube, ele fala sobre seu ofício, sobre a parceria com a escritora em séries de sucesso como “Os Normais”, e de como a família lidou com a tragédia. Alexandre passa a quarentena com as filhas maiores, Cecília e Estela, em seu apartamento em São Paulo, enquanto os caçulas, Catarina e John, estão no Sul de Minas, acompanhados da tia, Renata Young, irmã de Fernanda.
“A gente que tem filho pequeno, eu tenho um de 10 e um de 11, não pode se dispersar. Tem que acreditar em alguma coisa, que não sei exatamente o que é… Aliás eu sei exatamente o que é: é o amor, sendo mais cafona possível. Na minha vida ultimamente fatos aconteceram que me tiraram coisas nas quais eu acreditava fortemente. Uma coisa que ficou e que me salvou, continua me salvando, continua nos salvando como família, é o amor”, diz Alexandre Machado, que raramente aparece ou dá entrevistas.

Embora, segundo ele, vivamos num momento em que não se deve exigir criatividade de ninguém, Alexandre voltou a escrever, rotina abandonada por alguns meses depois da morte da mulher. A segunda temporada de “Shippados” está pronta, metade escrita em parceria com Fernanda, e a outra por ele sozinho. O roteiro do piloto de uma série também já está para ser concluído: “São tempos difíceis. Não dá pra ficar rindo à toa, mas ter senso de humor é fundamental. A pandemia fará com que os roteiristas tenham que reavaliar as histórias e a forma de contá-las. Eu estou tentando me antecipar a isso”.
Em meio a tantas dicas sobre a feitura de um roteiro (“Para ele passar essas lições no mercado é coisa de seis dígitos”, brinca o entrevistador), Alexandre Machado relembra sua trajetória, desconhecida por grande parte do público. Do início, quando entrou aos 17 anos no jornal “O pasquim”, a carreira como publicitário na agência W/ Brasil, a passagem pela antológica “TV Pirata”, até que decidiu que seria, de fato, roteirista, ao escrever ao lado de Fernanda Young o roteiro do filme “Bossa Nova”. Logo em seguida, surgiria a ideia de “Os Normais”, já um clássico da televisão brasileira:
“Guel Arraes (diretor) me chamou e queria encomendar um seriado em torno do Luiz Fernando Guimarães. Aí pensei: ‘se rolar, vou largar a propaganda e me dedicar'”. O resto é história. “Tinha muita coisa minha e da Fernanda naquele casal, a loucura toda das coisas. Basicamente a energia feminina do caos e a masculina, querendo resolver os problemas. É da mulher aquela energia maravilhosa, que faz o mundo girar, que é a do tumulto. E Fernanda era aquele tumulto constante; e eu o cara que não quer problemas”, conta.

A parceria pessoal e profissional com Fernanda Young é citada em vários momentos da conversa. “Ela deve estar me odiando lá no céu”, fala Alexandre, ao citar o pouco gosto pela leitura. Ou da rotina de casal: “Ela se irritava comigo porque gosto de ouvir música alta”. Quando dividiam a assinatura de um trabalho, era um criando de um lado, e outro, do outro. Eles nunca escreviam juntos: “A gente se mataria se fosse assim. Cada um tem seu método e eu organizava tudo depois. Para Fernanda, escrever não era um ofício, era uma necessidade. Ela era uma escritora, não tinha muito saco para as técnicas”.
Das homenagens feitas a Fernanda, ele se lembra de quando a equipe de “Os Normais” se reuniu num restaurante do Rio, logo depois da morte da escritora. “Não tive condições obviamente de ir, mas foi genial ver aquela gente reunida 20 anos depois. Chorei meia hora só vendo a foto do encontro”.
A força que o fez voltar a escrever e a reviver depois da tragédia é a mesma com que Alexandre Machado espera seguir adiante, na companhia dos quatros filhos e da memória da mulher. Em especial, num mundo pós-pandemia: “Um pensamento que tive e falei com minha filha outro dia é que não importa pelo que você passa, importa no que você se transforma. A gente vai passar por coisas horríveis, todos passamos. A gente não tem o menor controle pelo que vai passar. Nossa família é um exemplo, passamos por coisas muito difíceis recentemente. Você pode se tornar isso ou aquilo. Quem passar pelo que a gente vive hoje deveria pensar no que vai se tranformar depois. Vamos todos tentar nos transformar numa coisa melhor depois dessa m. toda”.
As informações são do Extra.